quinta-feira, 24 de junho de 2010

Do ônibus





Mal havia acabado de sentar num dos contaminados bancos do ônibus quando logo após mim, passava pela roleta a mãe e o menino. Ele franzino, dentes espaçados, feinho feito vira-lata, fininho feito vareta.
O menino logo se sentou no banco individual, sorrindo feito bobo. Criança se diverte de forma tão gratuita, se sente feliz com pequenos detalhes. A mãe adentrando ônibus afora: “- Jonhys!”- Gritou timidamente, voz um pouco agarrada, mas um sorriso cínico como se soubesse para onde estava indo. Seus passos eram dados com grande entusiasmo. Fiquei curiosa, mas a preguiçosa manhã poluída me desanimou de virar a cabeça para trás.
O garoto por alguns instantes se comoveu a doce voz de sua mãe, mas resistiu. Não se virou a ela, e respondeu entre dentes: - “Quero ficar aqui. Vou ficar aqui.” Ele se encontrava satisfeitíssimo pela atual condição
A mãe, paciente como todas as outras, esperou. De repente, o menino vira-se para trás com olhos compridos a procura da mulher. Eu permanecia observando seus movimentos que se assemelhavam a um pequeno primata: O coração parecia que ia lhe explodir de alegria. Um sorriso largo se abriu em seu rosto, mostrando ainda maior a distância entre os dentes.
Neste momento a preguiça matinal me abandonou, já que a curiosidade havia tomado conta de mim. Passei a segui-lo com o olhar. Ele se levantou depressa. E murmurou em voz baixa: “- Vou sentar lá atrás.” - Como se justificasse para mim, e a meus olhos atentos. Virei-me por inteiro. A mãe estava sentada num daqueles altos bancos, e o menino já estava ao seu lado, todo satisfeito. Nossos olhos se cruzaram, o pobre, envergonhou-se da sua felicidade tão miúda, já que o olhei com olhos tão desapontados pela minha descoberta. Eu é que deveria ficar com vergonha, por não sentir mais uma absurda alegria pelas coisas simples da vida.
Logo ele me esqueceu, permaneceu sorrindo, sentido o vento gélido entrando pela janela. A mãe tinha um semblante sereno, um ar de quem sabia o que estava fazendo, de quem venceu mais uma vez o menino com sabedoria, sem precisar gritar, ou coisa parecida. Ele estava ao seu lado agora. Os dois estavam felizes.
Ao fazer uma fotografia deles na minha memória, passei a refletir em minha vida, meus sonhos de criança. Queria sair e andar de ônibus com minha mãe, explorar todos os cantos da cidade, observar a paisagem que era sempre fugidia pela janela. Eu queria ser tanta coisa quando crescesse, mas também queria sentar nos bancos altos em transportes públicos, enquanto meu pai tinha um carro do ano na garagem da nossa casa. E hoje sonho em ter meu próprio carro e nunca mais sentar num desses bancos de ônibus tão pouco higiênicos.
Estranha sensação que mesmo nunca deixando de sonhar, eu não posso mais pensar em que “vou ser quando crescer”. Já cresci. Não tanto em estatura, já que a genética decidiu não colaborar com a auto-estima, mas já sou alguém que escolheu seguir por um caminho. O garoto ainda mal decide se pode ou não dormir sem escovar os dentes. Eu com meus vinte e poucos anos. Já escolhi tanta coisa... Não sei se sou aquilo que sonhei quando era criança. Não sei se sou o que imaginava ao sentar nos bancos elevados do ônibus.Acho que não. Sei que já tenho seguido meu rumo. E isso me assusta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fala aí!!!